Sinestesia

Tem gente que escolhe palavra como se estivesse fazendo aquela brincadeira de tirar objetos misteriosos de uma caixa escura. Enfia a mão com apreensão e tira de lá uma coisa que não saberá o que é até que a luz denuncie. Eu não.
Eu gosto de aproveitar os cinco ou seis sentidos de cada palavra. Saborear cada sílaba como quem morde uma maçã, e deixar escorrer pelos lábios o sumo ao mesmo tempo doce e azedo da voz. Eu gosto de pegar nas palavras, de sentir a textura da nuvem ou da pedra-sabão. Eu gosto de vestir as palavras. Eu quero caber nas palavras como numa calça de lycra. Ou será que são as palavras que devem caber em mim?

Eu escolho cada palavra como tomates no sacolão. Nunca as pronuncio se estiverem verdes.
Apalpo bem cada palavra. Vejo se vou usar os tomates mais macios ou mais rígidos, de acordo com a minha receita. Costumo preferir os mais vermelhos: eles são mais quentes, têm mais sabor.
Se crus ou cozidos eu não sei; Talvez eu tenha que usá-lo sem pele e sem sementes, até mesmo para não estragar o jantar.

Eu cheiro cada palavra como quem escolhe um perfume para dar de presente.
Não vou levar florais para quem é cítrico. Abro cada frasco e aspiro não as notas de saída ou de fundo: aspiro as de coração.

Experimento cada palavra como quem come jiló pela primeira vez. Pego um pedaço pequenininho e encosto a língua fazendo cara de nojo. Mas até que o gosto pode ser surpreendentemente bom.
Eu vomito palavras que não consigo engolir.

Eu vejo a beleza de cada palavra. Palavra gorda, palavra magra, palavra simpática, antipática, palavra com olhos grandes ou com boca pequena. Palavra não-verbal. Não dizem que uma imagem vale mais que mil palavras?

Eu quero ouvir palavras de mel, não de abacaxi.
Sussurre uma palavra doce no ouvido de alguém.

Read More